quarta-feira, 3 de março de 2010

O que a IEAB teria a ver com uma RPPN?

A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil é parte da Comunhão Anglicana, constituindo-se em uma de suas Províncias, e nossa diocese sediada em Santa Maria/RS (Diocese do Brasil Sul - Ocidental) é uma das quase 700 dioceses anglicanas que se encontram em quase 500 países do mundo. O cuidado com o meio ambiente é uma prioridade da Comunhão Anglicana. A Conferência de Lambeth de 2008 confirmou essa afirmativa (cf. “Equipando os Bispos para a Missão e Fortalecimento da Identidade Anglicana”, Secções 59 a 61 do Documento INDABA, sobre O MEIO AMBIENTE). O que poderíamos nós - Diocese Sul-Ocidental – fazer e ajudar em termos de preservação e educação, embora nossos parcos recursos?
Temos um patrimônio recebido por doação da família de Afonsina Moraes, na atual Vila Pérsio Reis, antiga Montanha Russa, onde funcionou no passado a Paróquia e a Escola São Paulo, desde início da década de 1940. A construção da barragem da CORSAN nas proximidades afastou muitas famílias da área, e a VFRGS cortou ao meio nossa propriedade, que originalmente possuía uma porção de quase quatro (quatro) hectares contínuos de terra. No decorrer da década de 70 a paróquia foi desativada, e a escola transferida para outro imóvel da Prefeitura Municipal nas proximidades. Mais tarde, na década de 90, ali funcionou a Creche Montanha Russa até o segundo semestre de 2008. Nossa área vem sendo restaurada desde o surgimento do Centro de Promoção da Vida (PROMOVITA) em 1995 e da Associação São Paulo Apóstolo em 2001, com projetos e oficinas que envolvem padaria, horticultura, tecelagem de lã crua, instrumentos reciclados, expressão rítmica corporal e capoeira. (Estas edificações e terreno circundante não fazem parte da porção entregue à Reserva Particular de Patrimônio Natural [RPPN]). O restante da propriedade, ainda no lado oeste da via férrea, abriga uma porção de mata nativa que se constitui num belo patrimônio ecológico da região. E do outro lado da linha férrea, há cerca de dois hectares sem qualquer cerca, que pouco a pouco vem sendo ou poderá ser ocupado indevidamente por outrem. Nesta área, antigamente, ali estava a passagem do leito do Rio Vacacaí Mirim.
Oferecemos, com aprovação do Conselho Diocesano, esse patrimônio constituído pela mata nativa e ainda toda a área ao leste da via férrea para, em parceria com a Fundação Mo’ã, se constituir numa RPPN, à disposição para o lazer e a educação ambiental de nossa comunidade. A pequena porção de terras onde possuímos edificações e trabalho com plasticultura continua nas mãos da Associação São Paulo Apóstolo, para a continuidade dos diversos projetos sociais, sempre com o apoio de eventuais parceiros.
A equipe da Fundação coordenará a criação de uma RPPN – MUNICIPAL, nesta área de c.c. três hectares de propriedade da IEAB. O Patrimônio continua da Igreja, mas cedido para uso comunitário. O Prefeito Municipal criou o Programa Municipal de Formação em Educação Ambiental (PROMFEA), aberto especialmente a professores da rede municipal, mas envolvendo a toda a coletividade regional. Para a instalação deste espaço, a Diocese assinou contrato de comodato, onde cede um prédio de alvenaria e espaço suficiente onde será construída uma “biblioteca ecológica”. O grupo gestor do PROMFEA está constituído por representantes da SMEC, do Núcleo Municipal de Educação Ambiental, da Fundação Mo’ã, da UFSM, da 8ª CRE, da UNIFRA, e da Diocese Sul-Ocidental da IEAB, representada pela Associação São Paulo Apóstolo. Acreditamos que esta iniciativa signifique um marco concreto da importância de nos darmos as mãos (em parceria) para uma maior obediência concreta ao mandato da Missão de Deus.



por D. Jubal Pereira Neves

segunda-feira, 1 de março de 2010

Dom Prado: o deão e o sonho


D. Luiz Osório Pires Prado, falecido recentemente, era homem do pampa gaúcho. Como todo homem pampeano, gostava de sonhar, e sonhar alto e longe. Desde jovem, recém graduado do Seminário em São Paulo, ele sonhava. Quando voltava, ainda estudante, pendurado num trem, que fazia a ligação da capital com as cidades vizinhas da metrópole, ao fim do seu estágio semanal, ele sonhava. Com o que? Sonhava com a Igreja – Testemunho do Reino, uma futura paróquia, com um casamento e a construção de uma família, e com o aprofundamento de seus estudos. Quanto aos estudos, sonhava com um grande filósofo francês do século XX, Teillard de Chardin, homem difícil de entender, mas de profunda sabedoria e espiritualidade. E estes sonhos se concretizaram: veio a formatura, a posterior ordenação, uma paróquia pequena, serrana, no interior do Rio Grande do Sul, onde ele mostrou, além do seu preparo teológico e pastoral e do cuidado extremo com os paroquianos, sua alma de pampeano. Mas este pampeano era,também, cosmopolita. Amava a língua francesa como ninguém. E o interesse por Chardin levou-o a obter uma bolsa de estudos na França, onde se especializou neste pensador. Ficou tempo lá suficiente para arranjar grandes amigos, e, cada vez mais, tornar-se um grande teólogo. Da França, ele retornou para o Rio Grande. Primeiro, novamente a cidade serrana, bem gaúcha, S. Francisco de Paula, onde o inverno é tão brabo que até cusco rengueia; depois, uma outra, bem diferente, com muito alemão dando palpite, pois a origem dos povoadores da cidade era essa. Pois não é que o pampeano se deu bem, lá? E o sonho pelo estudo continuou. Ele se tornou uma coisa complicada, que se chama geógrafo, com muita vocação para a ecologia. E ele punha em prática muito do que aprendia, em terras que tinha herdado de seus pais, em companhia de seu irmão. E o sonho continuava a se realizar, nas turmas universitárias para quem ele dava aula, e, também, num Seminário Teológico Regional que existia em Porto Alegre. O cara era bom, mesmo. Mas o amor pela Igreja era enorme, Teologia e devoção anglicana, nem se fala. E o homem lia, estudava, auxiliava os seminaristas e seus paroquianos, etc., até que foi chamado para construir uma Diocese. E ele se bandeou para a zona sul do estado, bem perto do Uruguai, para realizar a tarefa de ser um bispo anglicano em Pelotas e regiões próximas. No tempo em que estava em Pelotas, mostrou suas grandes qualidades de administrador, sonhador e realizador. Viajou pelo mundo inteiro, sempre buscando recursos para fazer crescer a diocese que ele amava. Tempos depois, mais de dez anos, a vida o chamou para perto, novamente, da capital. E o pampeano gaúcho arrumou suas coisas, bem como a família, e foi residir em São Leopoldo/RS. Lembram da cidade dos alemães? Pois é, voltou para aquela, mesmo. Mas, como todo gaúcho irriquieto montou seu acampamento, finalmente, em Novo Hamburgo/RS, outra cidade vizinha. Acho que ele gostava das pessoas daquelas terras, pois antes, na primeira vez que morou em São Leopoldo, pastoreou a sua sede, Novo Hamburgo, Feitoria e Sapucaia do Sul. Foi então que, na década de 2000, foi chamado para trabalhar no Seminário Teológico de Porto Alegre (SETEK), inicialmente como Capelão e professor de Teologias (várias - o pampeano era versátil e profundo teólogo), e depois, como Deão ou Reitor. O homem era ativo que só ele. Vivia pensando grande, para aumentar o Seminário, construir novas dependências. Montou a capela a seu jeito, pois sua grande preocupação, maior do que outras (embora elas também fossem grandes, e o fizessem sonhar bastante) era com a vida devocional dos estudantes. Às vezes, como a maioria dos pampeanos, era durão, mas tinha um coração de manteiga derretida. E como cuidava dos animais, também... Embora se dizendo de tradição beneditina, acho mesmo que ele era um franciscano enrustido. Traduziu muitas obras teológicas do inglês para o português, fazia um boletim semanal devocional, mantinha, também, uma rede de amigos a quem enviava mensagens de ordem espiritual e teológica, por internet. Produziu livros, divulgou o canto e a maneira de ser anglicanas, promoveu vários Cursos de Verão no Seminário, para os interessados em anglicanismo. Enfim, ele respirava anglicanismo. A sua opção de fé. Pois não é que esse homem, tão importante para Igreja, com amigo em todo o canto desse mundo, sonhou e sonhou tanto, que um dia Deus o convidou para sonhar junto d´Ele? Sabem, pampeanos também cansam. E ele estava muito cansado e triste, porque muitos dos seus sonhos não aconteceram. Acho que ele teria ainda muitos sonhos para sonhar, mas, mesmo assim, não foi pego desprevenido. Organizou toda a sua vida familiar antes que seu corpo, cansado, fosse entregue às cinzas. Lutou pelo SETEK até o fim. É interessante como muitos dos bispos de nossa Igreja morrem em serviço. Poucos tiveram a oportunidade de se aposentar. Ele também não teve, pois, aos 66 anos, dormiu no Senhor. Essa é parte da história pessoal de D. Prado, o pampeano sonhador. Pois quem não sonha, não realiza, não faz o trabalho de Deus. Nós, do SETEK, sentimos muito a falta dos seus sonhos. Que o Senhor o acolha nos seus braços amorosos! Amém.


por Vera Lucia Simões de Oliveira