D. Luiz Osório Pires Prado, falecido recentemente, era homem do pampa gaúcho. Como todo homem pampeano, gostava de sonhar, e sonhar alto e longe. Desde jovem, recém graduado do Seminário em São Paulo, ele sonhava. Quando voltava, ainda estudante, pendurado num trem, que fazia a ligação da capital com as cidades vizinhas da metrópole, ao fim do seu estágio semanal, ele sonhava. Com o que? Sonhava com a Igreja – Testemunho do Reino, uma futura paróquia, com um casamento e a construção de uma família, e com o aprofundamento de seus estudos. Quanto aos estudos, sonhava com um grande filósofo francês do século XX, Teillard de Chardin, homem difícil de entender, mas de profunda sabedoria e espiritualidade. E estes sonhos se concretizaram: veio a formatura, a posterior ordenação, uma paróquia pequena, serrana, no interior do Rio Grande do Sul, onde ele mostrou, além do seu preparo teológico e pastoral e do cuidado extremo com os paroquianos, sua alma de pampeano. Mas este pampeano era,também, cosmopolita. Amava a língua francesa como ninguém. E o interesse por Chardin levou-o a obter uma bolsa de estudos na França, onde se especializou neste pensador. Ficou tempo lá suficiente para arranjar grandes amigos, e, cada vez mais, tornar-se um grande teólogo. Da França, ele retornou para o Rio Grande. Primeiro, novamente a cidade serrana, bem gaúcha, S. Francisco de Paula, onde o inverno é tão brabo que até cusco rengueia; depois, uma outra, bem diferente, com muito alemão dando palpite, pois a origem dos povoadores da cidade era essa. Pois não é que o pampeano se deu bem, lá? E o sonho pelo estudo continuou. Ele se tornou uma coisa complicada, que se chama geógrafo, com muita vocação para a ecologia. E ele punha em prática muito do que aprendia, em terras que tinha herdado de seus pais, em companhia de seu irmão. E o sonho continuava a se realizar, nas turmas universitárias para quem ele dava aula, e, também, num Seminário Teológico Regional que existia em Porto Alegre. O cara era bom, mesmo. Mas o amor pela Igreja era enorme, Teologia e devoção anglicana, nem se fala. E o homem lia, estudava, auxiliava os seminaristas e seus paroquianos, etc., até que foi chamado para construir uma Diocese. E ele se bandeou para a zona sul do estado, bem perto do Uruguai, para realizar a tarefa de ser um bispo anglicano em Pelotas e regiões próximas. No tempo em que estava em Pelotas, mostrou suas grandes qualidades de administrador, sonhador e realizador. Viajou pelo mundo inteiro, sempre buscando recursos para fazer crescer a diocese que ele amava. Tempos depois, mais de dez anos, a vida o chamou para perto, novamente, da capital. E o pampeano gaúcho arrumou suas coisas, bem como a família, e foi residir em São Leopoldo/RS. Lembram da cidade dos alemães? Pois é, voltou para aquela, mesmo. Mas, como todo gaúcho irriquieto montou seu acampamento, finalmente, em Novo Hamburgo/RS, outra cidade vizinha. Acho que ele gostava das pessoas daquelas terras, pois antes, na primeira vez que morou em São Leopoldo, pastoreou a sua sede, Novo Hamburgo, Feitoria e Sapucaia do Sul. Foi então que, na década de 2000, foi chamado para trabalhar no Seminário Teológico de Porto Alegre (SETEK), inicialmente como Capelão e professor de Teologias (várias - o pampeano era versátil e profundo teólogo), e depois, como Deão ou Reitor. O homem era ativo que só ele. Vivia pensando grande, para aumentar o Seminário, construir novas dependências. Montou a capela a seu jeito, pois sua grande preocupação, maior do que outras (embora elas também fossem grandes, e o fizessem sonhar bastante) era com a vida devocional dos estudantes. Às vezes, como a maioria dos pampeanos, era durão, mas tinha um coração de manteiga derretida. E como cuidava dos animais, também... Embora se dizendo de tradição beneditina, acho mesmo que ele era um franciscano enrustido. Traduziu muitas obras teológicas do inglês para o português, fazia um boletim semanal devocional, mantinha, também, uma rede de amigos a quem enviava mensagens de ordem espiritual e teológica, por internet. Produziu livros, divulgou o canto e a maneira de ser anglicanas, promoveu vários Cursos de Verão no Seminário, para os interessados em anglicanismo. Enfim, ele respirava anglicanismo. A sua opção de fé. Pois não é que esse homem, tão importante para Igreja, com amigo em todo o canto desse mundo, sonhou e sonhou tanto, que um dia Deus o convidou para sonhar junto d´Ele? Sabem, pampeanos também cansam. E ele estava muito cansado e triste, porque muitos dos seus sonhos não aconteceram. Acho que ele teria ainda muitos sonhos para sonhar, mas, mesmo assim, não foi pego desprevenido. Organizou toda a sua vida familiar antes que seu corpo, cansado, fosse entregue às cinzas. Lutou pelo SETEK até o fim. É interessante como muitos dos bispos de nossa Igreja morrem em serviço. Poucos tiveram a oportunidade de se aposentar. Ele também não teve, pois, aos 66 anos, dormiu no Senhor. Essa é parte da história pessoal de D. Prado, o pampeano sonhador. Pois quem não sonha, não realiza, não faz o trabalho de Deus. Nós, do SETEK, sentimos muito a falta dos seus sonhos. Que o Senhor o acolha nos seus braços amorosos! Amém.
por Vera Lucia Simões de Oliveira
por Vera Lucia Simões de Oliveira
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